segunda-feira, 13 de abril de 2009

Diálogo de horas erradas

Era uma vez uma menina que sonhava com flores roxas e algodão doce.

Enquanto sonhava diziam-lhe para não se preocupar, para viver e crescer.
Enquanto sonhava diziam-lhe também para ser ela mesma, para não ter medo e não fugir ou se esconder.
Enquanto sonhava diziam-lhe para guardar palavras numa gaveta.

E ela de olhos cerrados escutava.
Escutava mas nada fazia sentido pois dormia.

Um dia a menina acordou, entendeu e abriu a gaveta.

Palavras pequenas que são grandes

Entre gargalhadas que não terminam e sorrisos que se tornam beijos e carinhos e sussuros dizem-se palavras pequenas que nos fazem ainda mais felizes.

domingo, 12 de abril de 2009

O relógio

O relógio ensurdece-me.
Tac Tac Tac
Porque é que existe sempre um tempo? Uma altura? Um "countdown" para alguma coisa?
Tac Tac Tac
E se eu não tiver nada para fazer senão pensar em quão vazia é a minha vida?
Essa demonstração de tarefa torna a minha vida ainda mais frustrante... até o relógio tem uma função.
Tac Tac Tac
Eu não sirvo. Não sirvo porque tenho mais dez anos do que devia ter? Não sirvo porque tenho mais brancas do que devia ter? Só sei que não sirvo.
Tac Tac Tac
O relógio faz-me esperar enquanto os minutos cada vez demoram mais a passar e os dias a terminar. Até o relógio "bullies me".
Tac Tac Tac
Eu não quero muito. Vejo tantos a receber muito. Vejo tantos a reclamar que vão perder o extra. Eu não quero extra. Só queria algum.
Tac Tac Tac
Tac Tac Tac
O relógio enlouquece-me.

O Jantar

"...Fico tão nervosa sempre que te vejo... Nem me consigo lembrar como caminhamos até este jantar. Sorrio e falo incessantemente. É o que faço sempre que estou nervosa. Como é que a fala foge assim ao meu controlo? O que será que eu estou a dizer? Já não consigo parar de balbuciar palavra atrás de palavra. Gostava de saber que ideia tens de mim. Estás a sorrir... o que será que eu estou a dizer? De certeza que estás desconfortável, provavelmente não era esta a noite que estavas à espera. Apercebo-me da má ideia que foi ter escolhido um restaurante à luz das velas. Mas o que será que eu estou a dizer? Penso: "Pára e respira. Pára e respira. Pára e respira." Estou ciente que preciso de me acalmar. Não resulta. Continuas a sorrir... Nunca vi sorriso igual. Só quero acreditar que um dia vou ser o motivo que o faz surgir..."
"...A luz da vela treme enquanto ilumina o teu rosto, parece nervosa por te estar a tocar. Não sonhava ser possível invejar uma vela tremeluzente até este momento. Sorris enquanto falas comigo, não te consigo ouvir. O cheiro do teu cabelo faz-me viajar e o bater do meu coração tornou-se ensurdecedor. Sorris enquanto falas comigo, sinto que devo aproximar-me de ti mas o meu corpo não reage. E a vela caprichosamente continua a tocar-te a passear pelo teu rosto, os teus ombros, o teu colo mas perde-se sempre no teu sorriso. Sorris enquanto falas comigo, sei que sorrio também... Estou preso, preso ao momento mágico que uma vela atrevida resolveu criar em torno de ti. Os teus lábios de cereja contam-me algo que te faz feliz, um dia será de mim que eles vão falar... se eu conseguir parar para te escutar... "


A mãe diz que foi a olhar para uma vela que o pai se apaixonou...

Viagem

Acordo com um balançar mais forte, pela janela do intercidades vejo que estamos a atravessar um rio tranquilo. As margens estão repletas de árvores já carregadas de frutos que se adoçam preguiçosamente ao sol terno deste Setembro. Parece que a paisagem pediu para não deixar que esta imagem passasse despercebida a quem por ali viaja. Olho em frente e vejo-te a dormir perdida no teu mundo de sonhos viajas também feliz. Ainda não consigo discernir se estou acordado, sinto que o sono me puxa de novo para ele, olho para o relógio. Está mesmo a anoitecer, resolvo despertar. Olho de novo para ti, continuas a dormir a sono solto. O sol de fim de tarde pousa no teu cabelo dando-te um ar angelical, é quase irresistível a tentação de passar os meus dedos pelo meio dele para sentir a suavidade e a doçura do teu cheiro. Dormes alheia da beleza que transborda de ti, vives assim. Dirijo-me ao quarto de banho calmamente pensando na forma como te irei acordar. Vejo-me ao espelho, já começam a aparecer algumas rugas, certamente graças às muitas horas de trabalho pela noite fora durante todo o ano. Estes 15 dias de férias juntos foram tão difíceis de conseguir e agora quase que voaram das nossas mãos, restam-nos apenas alguns dias mais para nos perdermos entre terras não lusas e tenciono que nós os aproveitemos ao máximo. O espelho continua a reflectir o mesmo trintão cansado. Estou com uma barba de dois dias. Pego no meu estojo e lentamente faço-a desaparecer, aproveito também para escovar o cabelo, os dentes e por um perfume que me ofereceste. A minha camisa está toda amarrotada. Tento escondê-la o melhor possível dentro das minhas calças. Sorrio. Enganei o espelho – um trintão cansado mas com melhor aspecto. Não estou assim tão mal… e esta cor que as férias me trouxeram apaga as horas fechado no escritório. Já tu continuas quase igual ao dia em que te conheci, mais madura, mas ainda jovem e cada vez mais bela. Pareces sempre serena e cheia de vitalidade, sempre cheia de energia, sempre fresca. Sei que trabalhas tantas horas quanto eu, lutas contra as mesmas adversidades que eu e por muito que te pergunte como consegues manter-te sempre assim tão alegre não consigo tirar-te nada mais do que um "Que exagero, sou igual às outras pessoas, com dias bons e maus". Nunca te vi com um dia mau, já te vi com problemas, mas nunca te vi a desanimar, nunca te vi a deixar de lutar e geralmente os problemas fogem de ti rapidamente. Talvez seja por não estar contigo sempre. Sinto-me ridículo agora já com trinta anos, com os últimos três passados ao teu lado e ainda não repartir o meu espaço, a minha vida contigo. Nunca deste a entender querer algo mais do que aquilo que temos. És sempre serena, mas sei que a nossa vida podia ter outro gosto se fosse passada ao lado um do outro. Trabalhei tanto para conseguir estas férias, queria falar contigo sobre isso mas nunca sei como o fazer. Pelo menos encontro sempre qualquer coisa que me faz adiar esta conversa. No fundo sinto medo de partilhar o espaço que me custou tanto a alcançar além de ter medo de estragar aquilo que temos agora – bem sei o feitio que tenho. O espelho continua a olhar para mim, vejo um resto do homem que fui. O homem das noitadas, o homem das mulheres. Mas tenho já de procurar bastante para o descobrir naquele reflexo. Batem à porta. Acordo. "Só mais um minuto". Guardo tudo no meu estojo e saio do quarto de banho, já anoiteceu e sinto-me aborrecido por ainda não ter pensado na forma como te acordar e no que fazer contigo depois da nossa chegada. Tenho de ter alguma ideia até chegar à nossa carruagem. Abro a porta lentamente para não te acordar, vejo a tua cabeça ainda a repousar e espero ter alguma ideia nos próximos minutos. Quando me sento finalmente e olho para ti sorris. Sorris com o exagero de meiguice que tens ao acabar de acordar, inclinas-te sobre mim, sinto ainda o calor que imana de ti, e beijas-me… Simples, sereno, perfeito. O que era preciso mais?

Intercidades e eu

Pela primeira vez em muito tempo senti o calor de estar em casa e foi quando o primeiro vento gelado de Outono me fazia tremer na ansiedade de ver o comboio chegar. Sentir-me em casa preencheu-me o peito de algo bom que logo contrastou com a lembrança da partida. Já ouvia o comboio chegar quando me levantei e fiquei sem saber se o conforto do calor de passar aquelas portas ia ser superior ao conforto que me preenchia sentir o vento a passar por mim.Nem se pode chamar vento. Era uma brisa suave e gélida que entrava por cada frincha do casaco e da camisola e se entranhava na nossa pele lembrando o sítio onde estava. Recordações que vêm desde a infância associadas a esse arrepiar de pele e que marcam casa como casa, como porto de abrigo, como porto seguro. Os primeiros dias de escola e as caminhadas com os amigos até lá, as dores de pés das botas novas compradas para esse Inverno por as antigas não servirem, o voltar para trás para alguém nos abotoar o casaco antes de sairmos de casa. Os balanços do comboio ajudaram à nostalgia assim como as luzes que insistiam em fugir de nós. Encostei a cabeça ao vidro e deixei o pensamento me levar.Não me senti só em casa, senti-me tranquila. Já há alguns dias que me isolava em mim à procura da minha estabilidade e tranquilidade reflectindo em mim e no que me disseram, fizeram, aconselharam. Sentindo a presença de todos através da ausência que quase impus e que todos fizeram questão de quebrar esporadicamente.Mas inevitavelmente este meio ano tinha de me mudar como pessoa e mudou tanto e tão rápido que estou com dificuldade em me encontrar no meio do turbilhão que anda à solta no meu peito. À descoberta de mim junta-se a descoberta de novas experiências numa envolvência nova em tudo o que a pode caracterizar.O que me torna não só em descoberta como em mutação o que dificulta a descoberta e muito mais a tranquilidade que insiste em ser estranha. Por isso foi uma sensação tão difícil de abandonar ao vento da estação.

Sonha um Conto

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